Thear compartilha a poesia de Cora Coralina
Existe uma beleza escondida no simples, uma beleza que Cora Coralina soube traduzir em versos que transpõem barreiras. Theo Alexandre, designer da marca Thear captou essas mensagens para sua nova coleção "Todas as Coras" que será apresentada hoje (27 de março) para os olhos famintos de beleza de seus espectadores da SPFW 55.
Foto: Reprodução Instagram @thearvestuario
O designer que já está em sua terceira edição do SPFW, promete manter códigos chave já conhecidos do grande público, mas irá além através das linhas escritas da vida de Cora Coralina, uma Mulher simples, doceira de profissão, que viveu grande parte da vida longe dos grandes centros urbanos, alheia a modismos literários, produziu uma obra poética rica em motivos do cotidiano do interior brasileiro, em particular dos becos e ruas históricas de Goiás.
Foto: Reprodução Instagram @thearvestuario
Theo destaca que sua inspiração vai muito além de contos e poemas, aprofundando-se na persona em uma tentativa de "estar na pele" de uma alma revolucionária e criativa.
Confira nossa entrevista exclusiva com Theo Alexandre, que dá algumas dicas do que podemos esperar de sua apresentação:
Danielle Moreira: Como estão as expectativas para mais um SPFW? Ainda sente frio na barriga ou já se acostumou com a correria?
Theo Alexandre: Estamos na nossa terceira edição, a primeira foi digital, a segunda e essa terceira presenciais e é inevitável sentir aquele "friozinho"na barriga, mesmo já vivenciando essa experiência é tudo sempre novo e com novas propostas. Afinal, sem essa expectativa e a famosa sensação de frio na barriga, nada faria sentido.
Dani: Quais são suas assinaturas que sempre estão presentes em suas coleções?
Theo: Existem alguns códigos que são essenciais para para a Thear, sempre trabalhamos com fibras naturais, texturas e design de superfície. Para essa coleção, a reconstrução de tecidos como o Denim e a Viscose em forma de tiras, faz de duas peças um grande destaque nesse sentido de trabalhos em textura.
Outro fato importante foi o acesso ao acervo de vestuário de Cora, que nos possibilitou uma conexão ainda maior com o nosso conceito, já que nossa inspiração também prezava pelo uso de roupas em fibras naturais, em particular a Laise.
E como não poderia faltar, o conforto sempre foi ponto chave, onde buscamos pensar em modelagens amplas que deixem o corpo ser livre e principalmente ser um ponto de escolha do cliente.Dani: O seu trabalho apresenta sempre um uso de técnicas artesanais de forma única, quais métodos podemos esperar nessa apresentação?
Theo: Muito trabalho de design de superfície em cima de tecidos naturais em "tiras rasgadas" que reconstruímos e os bordados em cima da Laise, que considero o grande forte da coleção.
"Nunca é tarde, nosso tempo é o agora!""
Dani: De onde veio essa conexão com a poetisa Cora Coralina?
Theo: Minha admiração e conexão com Cora Coralina não vêm do hoje, mas sim do primeiro contato que tive com sua poesia e desde então se tornou um referencial, seus poemas transpassam gerações com temas sempre atuais, retratando a vida de mulheres que ainda hoje precisam se colocar à frente de suas lutas diárias.
Sempre estive inserido em pesquisas sobre a Cora e acho extremamente importante que novas gerações tenham contato e entendam a importância de seu trabalho em âmbito nacional, meu trabalho é plantar essa semente de conhecimento para o futuro.
Dani: Como você pretende traduzir seus poemas e personalidade nessa coleção?
Theo: Decidimos ir além das páginas escritas e sim retratar quem foi essa mulher Cora, através do acesso que tivemos ao seu vestuário entendemos o avesso, a modelagem e o conforto que ela prezava o que encaixa de forma direta com o propósito da Thear.
Portanto o objetivo é trazer a persona Cora para mulheres atuais de forma leve e única como ela era.
Dani: Qual poema de Cora Coralina é o seu favorito e como ele se encaixa em sua vivência?
Theo: Nós temos um poema como referência que surgiu a partir de uma conversa que tive com Rubio, neto de Cora, onde perguntei: "Qual dos poemas de Cora impactou mais a vida de vocês e que têm haver com a Cora?" e ele me disse que "Todas as Vidas" traduzia muito bem sua avó e todas as mulheres brasileiras.
Pra mim esse poema é tão importante por compartilhar de crenças e personalidades amplas, sem julgamentos e principalmente trazendo assuntos importantes a serem discutidos, lutas sociais e toda a estrutura dessa mulher Cora.
Nessa coleção temos um Manifesto, que é justamente sobre esse espaço pessoal que Cora propõe, que possamos ter esse local personalizado de acordo com nossas vivências e liberdade para entender que nunca é tarde, nosso tempo é o agora!
Gostaria de destacar o quanto essa coleção é importante nesse aspecto de representatividade, a participação e consentimento direto da família de Cora, onde tive a honra de receber uma carta a punho de sua filha Vicência autorizando essa coleção, que particularmente acredito que possa impactar vidas, mas ainda não imagino a proporção de onde essa história será levada. É sobre uma vida contada em tecidos, acessórios e peças que podem trazer à tona muitas emoções.
Todas as Vidas - Cora Coralina
Vive dentro de mim uma cabocla velha de mau-olhado, acocorada ao pé do borralho, olhando pra o fogo. Benze quebranto. Bota feitiço… Ogum. Orixá. Macumba, terreiro. Ogã, pai-de-santo…
Vive dentro de mim a lavadeira do Rio Vermelho, Seu cheiro gostoso d’água e sabão. Rodilha de pano. Trouxa de roupa, pedra de anil. Sua coroa verde de são-caetano.
Vive dentro de mim
a mulher cozinheira.
Pimenta e cebola.
Quitute bem feito.
Panela de barro.
Taipa de lenha.
Cozinha antiga
toda pretinha.
Bem cacheada de picumã.
Pedra pontuda.
Cumbuco de coco.
Pisando alho-sal.
Vive dentro de mim a mulher do povo. Bem proletária. Bem linguaruda, desabusada, sem preconceitos, de casca-grossa, de chinelinha, e filharada.
Vive dentro de mim a mulher roceira. Enxerto da terra, meio casmurra. Trabalhadeira. Madrugadeira. Analfabeta. De pé no chão. Bem parideira. Bem criadeira. Seus doze filhos. Seus vinte netos.
Vive dentro de mim a mulher da vida. Minha irmãzinha… tão desprezada, tão murmurada… Fingindo alegre seu triste fado.
Todas as vidas dentro de mim: Na minha vida
a vida mera das obscuras.
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